sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Comentário de Fernando Capovilla

Crianças surdas sendo prejudicadas pelas políticas educacionais
Por Hélder Lima Gusso, em 22 de maio de 2009

Segue mensagem do prof. Fernando Capovilla (USP) sobre a dramática situação do ensino de ciranças surdas no país.
Enquanto a inclusão escolar está capenga, as crianças são as prejudicadas. Nem aquilo que funcionava é mantido por nossos governantes…
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Prezados colegas,
As escolas públicas para surdos vêm sendo desativadas em todo o país, com enormes prejuízos para as crianças surdas, em especial aquelas cujas famílias não podem pagar por educação especializada.
Como as escolas comuns estão despreparadas para receber e educar essas crianças, elas tendem a fracassar de modo muito alarmante. Pesquisamos o desempenho de 8000 surdos de 15 estados brasileiros e descobrimos que eles aprendem melhor em escolas de surdos, as mesmas que vêm sendo fechadas. Se isso continuar, o futuro não será nada promissor para elas. Segue artigo sobre isso que acaba de ser publicado na Revista Patio, ano XIII, maio-julho 2009, número 50, pp, 24-25. Intitula-se: Avaliação escolar e políticas públicas de Educação para os alunos não ouvintes. A pesquisa rigorosa mostra que, enquanto as crianças com deficiência auditiva aprendem melhor sob inclusão em escolas comuns, as crianças surdas aprendem muito melhor em escolas para surdos, em que a comunicação e o ensino se dão na língua mais apropriada para elas.
Eu agradeceria muito se você pudesse ajudar a divulgar este fato a seus colegas educadores e a secretarias municipais e estaduais da educação, bem como a vereadores, deputados e senadores, na esperança de que esse fechamento de escolas para surdos e sua descaracterização como meras escolas comuns possam ser revertidos. Precisamos fazer com que nossas políticas públicas de educação passem a respeitar as necessidades especiais e as especificidades dos processos de aprendizagem das nossas crianças.
Agradeço a sua gentil atenção.
Abraços,
Fernando Capovilla


Avaliação escolar e políticas públicas de Educação para os alunos não ouvintes
Fernando C. Capovilla
Instituto de Psicologia, USP, Coordenador Pandesb filiado ao Observatório da Educação Inep-Capes
O aperfeiçoamento de políticas públicas em Educação depende da avaliação de seus efeitos sobre o desenvolvimento acadêmico e o rendimento escolar. Apesar de vir publicando relatórios bienais sobre o rendimento do alunado brasileiro desde 1995 no Saeb e, depois, na Prova Brasil, o Inep tem excluído a avaliação sistemática da Educação Especial, deixando a criança com deficiência à margem do processo e de seus benefícios. A Educação de Surdos não foge à regra: nunca foi avaliada qualquer escola para surdos, nem avaliado qualquer aluno surdo assim identificado em regime de inclusão.

A ausência de caselas identificadoras de presença de deficiência e de seu tipo no Saeb e na Prova Brasil impede a constituição de base de dados sobre rendimento, inviabilizando a avaliação sistemática dos resultados de políticas que têm tido forte impacto sobre as vidas das crianças, como a de desativação de escolas específicas para surdos e a dispersão desses alunos em escolas comuns, quase nunca preparadas para inclusão ou mainstreaming eficaz.

Para ajuizar o efeito dessas políticas, o Programa de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro (Pandesb) foi inaugurado na USP em 1999 com apoio de CNPq, Capes e Seesp, e encampado pelo Inep via Observatório da Educação em 2006. Na década 1999-2009, o Pandesb gerou bateria de 15 testes para mapear desenvolvimento de competências cognitivas e linguísticas cruciais ao rendimento escolar do surdo, e avaliou sistematicamente, durante 18 horas por aluno, mais de 8.000 surdos de 15 estados, de 1a. série do Ensino Fundamental até o Ensino Superior. O Pandesb produziu os parâmetros basais de desenvolvimento normal para cada série escolar numa série de competências como leitura alfabética (Capovilla & Capovilla, 2006; Capovilla, Capovilla, Mazza, Ameni, & Neves, 2006; Capovilla, Capovilla, Viggiano, Mauricio, Bidá, 2005; Capovilla & Mazza, 2008; Capovilla, Mazza, Ameni, Neves, & Capovilla, 2006; Capovilla & Raphael, 2004a, 2005b), leitura de textos (Capovilla & Raphael, 2005a), escrita alfabética (Capovilla & Ameni, 2008), leitura orofacial (Capovilla, Sousa-Sousa, Ameni, & Neves, 2008), e compreensão de sinais de Libras (Capovilla, Capovilla, Viggiano, & Bidá, 2004; Capovilla & Raphael, 2004b), e analisou sistematicamente a variação desses parâmetros como função das políticas.

Analisando os parâmetros como função da interação entre variáveis do educando, como grau (profunda, severa, moderada, leve) e idade de perda auditiva (pré-lingual, perilingual, pós-lingual) e variáveis do sistema de ensino, como tipo de escola (específica para surdos versus comum) e língua-veículo de ensino-aprendizagem (Libras e Português versus Português apenas), o Panbesb descobriu que a política de inclusão, embora benéfica ao deficiente auditivo, é nociva ao surdo, e que este se desenvolve mais e melhor em escolas específicas para surdos no caldo de cultura de Libras, e sob ensino e acompanhamento de professores proficientes em Libras, como veículo principal de ensino-aprendizagem do Português e de outras disciplinas.

Tal achado decorre da diferença crucial entre alunos surdos (cuja língua materna é Libras) e com eficiência auditiva (cuja língua materna é Português), e é ainda mais relevante quando se sabe que a quase totalidade dos alunos das escolas que vêm sendo desativadas é de alunos surdos, e não deficientes auditivos, pois que estes já vinham sendo incluídos normalmente, dada sua maior facilidade de alfabetizar-se e incluir-se por leitura orofacial e leitura-escrita alfabéticas. A desativação das escolas para surdos é desserviço, já que a criança surda aprende mais e melhor nelas.

Uma década de Pandesb revelou que o melhor modelo de Educação de Surdos consiste na articulação, em contra-turno, entre educação principal ministrada em Libras e Português escrito na escola específica para surdos (em presença de colegas surdos e sob professor fluente em Libras) e educação complementar sob inclusão na escola comum. Mais detalhes em Capovilla (2008).

Referências

Capovilla, F. C. (2008). Principais achados e implicações do maior programa do mundo em avaliação do desenvolvimento de competências linguísticas de surdos. Em: A. L. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 151-164.

Capovilla, F., & Ameni, R. (2008). Compreendendo fenômenos de pensamento, leitura e escrita à mão livre no surdo. Em: A. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 195-206.

Capovilla, F., & Capovilla, A. (2006). Leitura de estudantes surdos: desenvolvimento e peculiaridades em relação à de ouvintes. Educação Temática Digital, 7(2), 217-227.

Capovilla, F., Capovilla, A., Mazza, C., Ameni, R., & Neves, M. (2006). Quando alunos surdos escolhem palavras escritas para nomear figuras: Paralexias ortográficas, semânticas e quirêmicas. Revista Brasileira de Educação Especial, 12, 203-220.

Capovilla, F., Capovilla, A., Viggiano, K., & Bidá, M. (2004). Avaliando compreensão de sinais da Libras em escolares surdos do ensino fundamental. Interação, 8(2), 159-169.

Capovilla, F., Capovilla, A., Viggiano, K., Mauricio, A. C., & Bidá, M. (2005). Processos logográficos, alfabéticos e lexicais na leitura silenciosa por surdos e ouvintes. Estudos de Psicologia, 10(1),15-23.

Capovilla, F., & Mazza, C. (2008). Nomeação de sinais da Libras por escolha de palavras: paragrafias quirêmicas, semânticas e ortográficas por surdos do Ensino Fundamental ao Ensino Superior. Em: A. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 179-194.

Capovilla, F., Mazza, C. Z., Ameni, R., Neves, M., & Capovilla, A. (2006). Quando surdos nomeiam figuras: Processos quirêmicos, semânticos e ortográficos. Perspectiva, 24, 153-175.

Capovilla, F., & Raphael, W. (2004a). Enciclopédia da Libras, Vol. 1: Sinais de Educação; e como avaliar competência de leitura. São Paulo, SP: Edusp.

Capovilla, F., & Raphael, W. (2004b). Enciclopédia da Libras, Vol. 2: Sinais de Artes e cultura, esportes e lazer; e como avaliar compreensão de sinais. São Paulo, SP: Edusp.

Capovilla, F., & Raphael, W. (2005a). Enciclopédia da Libras, Vol. 3: Sinais de Vida em família, relações familiares e casa; e como avaliar compreensão de leitura de sentenças. São Paulo, SP: Edusp.

Capovilla, F., & Raphael, W. (2005b). Enciclopédia da Libras, Vol. 4: Comunicação, eventos e religião; e como avaliar nomeação de figuras. São Paulo, SP: Edusp.

Capovilla, F., Sousa-Sousa, C., Ameni, R., & Neves, M. (2008). Avaliando a habilidade de leitura orofacial em surdos do ensino fundamental. Em: A. Sennyey, F. Capovilla, & J. Montiel (Orgs.), Transtornos de aprendizagem. São Paulo, SP: Artes Médicas, pp. 207-220.

Apoio: Inep, Capes, CNPq.

Fonte: http://sasico.com.br/psico/?p=523